Páginas

terça-feira, 6 de março de 2018

Em artigo, Núbia Feitosa fala sobre a violência contra a mulher

PORTAL LIVRE NOTÍCIAS-MA

Em agosto deste ano, a Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha, completará doze anos. Tal lei criou mecanismos para coibir a violência doméstica contra a mulher e trouxe pela primeira vez no Brasil o reconhecimento das especificidades desse tipo de violência, evidenciando que a mesma se dá em sua grande maioria, a partir de relações íntimas de afeto. Ou seja, a nefasta e cruel realidade é que muitas mulheres são mortas em casa e seus assassinos são geralmente pessoas com quem as mesmas estabeleceram vínculos afetivos.


Não havemos de pensar que esta lei tem o condão de romper um dos grandes desafios atuais para o feminismo, que é propor ações para punir e tratar os agressores, bem como proteger suas vítimas. Apenas encarcerar agressores não é a solução. O apoio dado às vítimas de violência doméstica é quase inexistente em suas variadas formas. Assim, o Estado cada vez mais levianiza suas mulheres, criando leis sem se preocuparem com a logística de sua aplicabilidade, esperando que as mulheres se desatinem a denunciar seus algozes sem a menor proteção ou perspectiva de resolutividade imediata. No Brasil, a mulher que consegue juntar forças para ir a uma delegacia, geralmente é constrangida já nos balcões onde registra a ocorrência e tem que voltar para casa, muitas vezes para ser obrigada a dormir com o seu próprio algoz, fator preconizante para revelar a urgência de uma mudança cultural das instituições de Segurança e Justiça.

O Estado brasileiro tem por dever garantir tratamentos diferenciados a vítimas e agressores para reduzir também os índices de violência sexual e não o faz pois os números atuais ainda são cruéis:Uma em cada três brasileiras acima de 16 anos, foi vítima de violência no último ano. A violência contra a mulher é recorrente. Cerca de 66% dos brasileiros já presenciaram uma mulher sendo agredida fisicamente ou verbalmente. Eu faço parte desta estatística, mas não me permiti somente assistir, eu reagi e defendi a vítima, pois sei que a cultura social brasileira é permissiva com esse tipo de violência. A começar pelas delegacias, quando se recusam a registrar o BO, ou ainda somente registram e nada fazem.
O número de medidas protetivas cresce, mas não garante a segurança das mulheres. Isso acontece por inércia da justiça ou por puro descaso como fazem comigo, que fui espancada, baleada, sou perseguida e ameaçada e nunca o Estado se manifestou. Aliás, semana passada um homem armado entrou no meu local de trabalho, permanecendo lá por duas horas esperando eu chegar e como não logrou êxito, saiu dirigindo um Corola que tinha a placa de um Corsa. E ao tentar fazer o BO do referido fato na delegacia, tive o direito de registro da ocorrência negado, uma vez que foi exigida uma prova, que segundo eles poderia ser um “videozinho” mostrando o pistoleiro. Será que a Justiça brasileira se assemelha a um parceiro do algoz? A prova material do risco e perigo que enfrento a cada minuto, não pode ser exigida de mim, eu sou a vitima, o trabalho pericial cabe ao Estado. O mesmo Estado que não dá suporte psicológico ao seu contingente policial, que não analisa o comportamento de sua coorporação, que desdenha do poder ofensivo das pressões as quais seus homens são submetidos diariamente. Enfim, o mesmo Estado que não valoriza o lado humano do seu policial, deixando que muitos deles se transformem em agressores, espancadores e assassinos.
Por fim, considero que a banalização da violência e a indiferença para com os violentos, tem o poder de fabricar comportamentos como o meu, pois atualmente, não me sinto segura em nenhum lugar, e não posso escusar-me de dizer que vivo sob o manto da predominância do medo firmado por uma Constituição enganosa que prega a garantia da segurança. Quanto a mim, a garantia do Estado se mostrou na violência a que vivo e sou submetida a cada segundo de minha vida, arrastando a minha família nesta agonia.
Porém sou uma sobrevivente da vida como as mulheres o são e quando sinto que o desespero vai tomar conta de mim, eu me lembro de Nietzsche;
“ Quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você”
E continuo me fortalecendo com o Salmo 23.
“ O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas. Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome. Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda. Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor por longos dias.

PORTAL LIVRE NOTÍCIAS-MA